segunda-feira, abril 17, 2006

Miuzela Arriba - Já fumega!





Fim-de-semana prolongado e como muitos resolvi sair da confusão à procura do sossego ou apenas de algo diferente do rebuliço diário e rotineiro das cidades, e também para (tentar) apagar da memória imagens de um passado recente, daqueles que por menos que se queira, surgem reflectidas nos mais pequenos pormenores.
Rumei ao interior perto da fronteira com Fuentes de Oñoro, já sabendo o que ía encontrar: uma casa por terminar, a simpatia das pessoas, o impensável em Lisboa do simples “bom dia” e “boa tarde” às gentes da aldeia, alguns conhecidos outros nem por isso, o ar puro, os primos e amigos que não encontrava a algum tempo, o homem do pão que desce as ruas a apitar anunciando a sua presença. O Largo está diferente – já não é Largo mas continua largo. Modernices!
Não há jornais mas não é nada que dez minutos de carro até às bombas de gasolina na A25, não curem; mais dez minutos “e hablamos así”. Bares não há; há é cafés, uns que fecham mais tarde que os outros. O café nas bombas à entrada da estrada para a aldeia é o ponto de encontro do costume: restaurante com duas televisões e SporTv, o que dá muito jeito em dia de futebol.

Na noite anterior a estas linhas, fui com o meu primo a um café na aldeia vizinha, a quatro minutos de carro. Longe!!! Conversa puxa conversa, passado e presente misturados, umas “minis” no balcão, amigos e desconhecidos que chegam, um cigarro e depois de uns golos de “mini” mais um cigarro. Sábado, 22:30 – não muito tarde, chove lá fora, seis pessoas no café, sete a contar com a proprietária.

Rodada após rodada, cruzam-se conversas com mais um cigarro à mistura.

Um maço nem por isso cheio nem por isso vazio ao lado do cinzeiro é erguido por um conhecido do meu parente junto com o isqueiro. Seguido de um sorriso rasgado, solta um comentário: “ e o maço agora a arder?!” Cruzei olhar chamando a atenção; olhares fixos no “malabarismo”, ninguém respira nem bebe (porra!). Fracasso (ainda bem, vai já um golo!).

A conversa continua, por vezes cruzada, embebida por mais uma rodada de “minis”. Ainda não satisfeito, tenta novo número de trapézio mas agora com sucesso: o fumo ergue-se ondulante vindo do interior do maço; um sopro esforçado elimina o pouco lume criado e um pouquito de cerveja extingue de vez a brasa, mistura de plástico, papel e prata.
O resultado foi o tema principal da noite.

Os cigarros em contacto com a cerveja ficaram inutilizados e após verificação, sem sabor natural do tabaco. Ninguém achou jeito à coisa, menos o trapezista – não fuma, mas gosta do arame! Paga maço, não paga maço, novo maço na mesa e dela não sai. “Eu não fumo, porque é que tenho de comprar uma maço?”; “ e porque é que tenho de levar com o fumo dos outros?”

Confusão saudável instalada e prova de que as mais recentes noticias acerca da nova lei do fumo também chegaram a este recanto (lindo) de Portugal.

O que fez não está certo. A “futura” lei vem à baila. Faz sentido em locais com espaços grandes onde podem coabitar fumantes e não fumantes, mas não pode fazer sentido nos cafés de aldeia. A indignação da dona do café faz-se notar: “Se não puder ter clientes que fumem aqui dentro então tenho de fechar o café! Quem fuma, bebe, ou querem ver que tem de ir beber lá para fora!?”
Quando está frio a valer uma das coisas que ajuda a aquecer é o tabaco. Não digo que esteja correcto.

Eu cá preferia a excelente aguardente e ginja da aldeia, para não falar do vinho – para além de matar os micróbios mais resistentes, ainda era capaz de arrancar umas boas gargalhadas tal o rol de parvoíces que sairiam pela boca! Tudo na proporção certa. Se beber, leve consigo um cartão com a indicação em desenho de sua casa. Se ao acordar tiver mais espaço em casa do que quando a deixou…beba mais para esquecer, mas não conduza. Por esta altura, também só deve restar o espaço que a viatura ocupava! Beba mais!

Mas o fumo era a questão. O maço novo, esse já se encontrava no bolso do meu primo. A dona do café, afirmava que com a chuva que caía lá fora, teriam os clientes de ir para a rua? O meu primo vira-se para o seu conhecido “homem do arame”, e pergunta-lhe: “porque é que você entra, pede o que quer e não vai beber lá para fora? Ainda para mais, homem, o fumo nos pulmões mata todos os micróbios que lá estiverem!”

A conversa até faria rir as pedras de granito da região!

E depois era a percentagem; o não fumador trapezista viu na televisão de que os fumadores eram mais que os não fumadores, cerca de 80%. Os fumadores teimavam o contrário. Confusão saudável intoxicada! Porque uns não tinham de suportar os outros, e o espaço é pouco nos cafés das aldeias e era a ruína do negócio. Eu ria. Fiquei a pensar se a percentagem seria a nível nacional ou por aldeia! Fuma-se muito por lá, fuma! Juntando lenha à fogueira, lembrei casos também de televisão, de velhotes de oitenta e noventa e picos anos que fumaram a vida inteira e continuavam rijos e vivinhos da silva.

Suportar. A propósito, um desconhecido, também de fim-de-semana, lembrou um episódio passado com um colaborador seu num restaurante.

Depois de pedir desculpa pela intromissão, passou a interveniente lembrando que no restaurante também estavam duas senhoras que conversavam a plenos pulmões como se estivesse cada uma num canto. Toda a gente já tinha reparado na sua presença. Ao chegar o fim da refeição, o senhor e o colega, puxam cada um de um cigarro. Uma das senhoras ao verificar a situação, vira-se e pede para não fumarem porque as iriam incomodar. Os dois senhores calmamente, olhando um para o outro, pousam os cigarros por acender no cinzeiro, tendo o primeiro e o presente no café, dirigido à senhora, dizendo: “concerteza, minha senhora mas com uma condição – desde que chegámos que as senhoras estiveram este tempo todo a falar como se estivessem sozinhas, incomodando toda a gente. Dai que se as senhoras se calarem, nós não fumamos”.
Espanto e riso tomaram conta do café, gargalhadas a plenos pulmões intoxicados pelo fumo.

A conversa continuou. O autor trapezista do malabarismo com o maço de tabaco continuou a dizer que não pagava o maço. A dona do café adiantou ao meu primo que o outro ía acabar por pagá-lo e não dar conta disso! Mais risos.

E o tabaco tomou conta da aldeia. Até quando?


P.S: neste recanto perto da fronteira, há uma ligação entre duas margens do Rio Côa, que em tempo de Invasão Francesa teve um papel determinante no seu avanço, depois de conquistada. Durante muito tempo e alguns quilómetros, era o único ponto de passagem entre margens – a Ponte de Sequeiros.

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