quinta-feira, janeiro 11, 2007

Mas caramba...estava frio de manhã!




Mais um dia, mais uma greve.

O frio da manhã faz doer as rótulas, sem dó nem piedade.
Fui eu a chegar e o “alternativo” a sair. No parque, um panorama diferente de há um dia atrás: “alternativos” estacionados uns atrás dos outros, até numa estrada de acesso à rotunda. Não esperei nem um segundo. Parecia que estava à minha espera para arrepiar caminho.
Agora, tive mais sorte que noutra greve anterior, ainda no ano passado em que esperei meia hora ao frio. Já não sei se o mais impressionante foi o “alternativo”, que viajou em parelha com o “colega motorista”, porque não conheciam o caminho – Eu vou por onde ele for! - Ambos matarroanos de gema (não vi o outro, mas de certeza que era irmão gémeo!), o frio lá dentro mais intenso que do lado de fora, ou “apenas” (note-se), mais um caminho alternativo, diferente dos outros “alternativos”. Nota, ainda para uma impressionante quantidade de paragens / estações falhadas.
Num rali Lisboa – Dakar, a falha de um Controlo de Passagem leva a desclassificação; neste caso foram “só” três! E fui eu que achei mal, logo eu que entro e saio nas Estações Terminais. Noutras greves, outras tantas variações no caminho, tornando menos monótona a viagem “pára-arranca” até ao Rossio.
Os cinco minutos de espera ao frio pareceram sete minutos de eternidade gelada. Não fui à fresca, mas caramba…estava frio! A paisagem na planície era bonita, para um parque de estacionamento – uma neblina cerrada e baixa quase assentava na estrada, prédios e casas ao longe e terrenos circundantes, outrora local de quintas de cultivo e criação animal.
Era o segundo da fila. Com um bom dia cumprimentei o motorista e sentei-me no segundo banco à direita, junto à janela. Não tinha livro para ler. Peguei no jornal. Já ia preparado para uma longa viagem.
Pelo meio, entre vidros embaciados o trânsito rolava lento. Utilizei o cortinado da janela para limpar o vidro da humidade acumulada. Se calhar fiz mal. Paciência. Fiz um espacinho suficiente para ver o passeio e as pessoas.
Um tipo…ou se calhar era uma senhora (!), ressonava uns dois bancos mais atrás, com intermitências mas a bem ressonar. O que vale é que era na fila do motorista e que não era eu que ia ao seu lado. Grande sorte!
Pessoa que saem e outras que entram – Só três pessoas, só três – Manda o motorista, da boca para fora, à laia de pastor da lezíria em direcção à porta. Tinha-se fartado de tossir, sempre com cara de enjoado (sim…porque do meu lugar dava para ver o senhor!), e talvez por isso estava mal disposto. Ou isso, ou foi uma mal dada. Volta na cama.
A ressonância parava assim como começava. E o trajecto foi longo.
O Sting cantava na rádio e um inesperado lamiré prolongado, do tipo “mm”, surge no banco logo atrás de mim.
(ironia) Grande sorte! Tinha logo de calhar atrás de mim alguém contente! O “mm” foi interrompido por um telefonema da filha, a Sandra que pelos vistos tinha arranjado um local de estágio – Ai, que bom! E é remunerado?
Mais umas páginas do jornal e o ressonar nota-se de novo.
O murmúrio continuou até novo telefonema, desta feita para a “mana”. Não podia ir lá ter com a mãe, mas ao que parece não havia problema. Estava tudo bem.
Pensei que não ía haver nova sessão de felicidade. Enganei-me. Não tenho nada contra as pessoas…contentes. Tão pouco sou triste. Mas, como muitos outros, estava a espera de uma viagem…silenciosa e até tive direito a ressonância. Também muitas vezes tive vontade de cantarolar, só que já sabia que se o fizesse, iria ser conotado como – Este é maluquinho! - Dai, afim de evitar comentários, é no carro que o faço ou em casa. Assim, só os vizinhos ouvem! Grande cena!
O rádio debita mais uma música e o murmúrio não se fez esperar. – “Mm” … “mm” … “mm” – Toda contente. Parece que a conseguia ver: os pezinhos apoiados nos calcanhares, a subir e descer à vez, a cabeça a balançar de um lado para o outro e as mãos entrelaçadas no colo, subindo e descendo ao ritmo. Um sorriso estúpido compunha o ramalhete. A música era boa mas o coro não estava à altura.
Paciência.
Na rua, as pessoas andavam mais depressa que o “alternativo”. Era engraçado e natural. Optavam por ir a pé porque chegariam mais rapidamente ao seu destino.
Cheguei à última página do jornal. Só me restava encostar a cabeça e fechar os olhos, à espera que o tempo passasse. Sabia que não era para dormir. Só faltava que o homem ao meu lado começasse a meter conversa comigo. Já agora!...como se vê nos filmes quando alguém se senta ao lado de outrém, acomoda-se, respira fundo e olhando para o passageiro do lado, solta com um sorriso – Bom Dia, o meu nome é Inácio. – Estende a mão e… e nada porque não tenho ou teria paciência para isso. Fico com o estômago aos nós, só de pensar nisso. Argh! Como se não chegasse a respiração pesada e entupida com que me presenteou, quase desde o principio até quase ao fim. Credo!
Por momentos, tive a sensação de ter sonhado. Acordado, mas sonhado. Tudo girava à minha volta; era bom. Pelo menos não estava ali. Mas estava!
Um velhote levantou-se para sair no Marquês, na segunda vez que parou, isto porque tinha parado antes da paragem para as pessoas saírem. Pois levou a mal o velhote ter-se levantado – Então mas eu parei! E o Sr. não saiu! – Com uns olhos de boga e boca também – Devia de ter saído! Agora sai por detrás, se faz favor! – O velhote, coitado, dirigiu-lhe um – Ó senhor, eu não sei onde é. – E dirigindo-se para a saída das traseiras – Não precisa de se chatear comigo que eu tenho idade para ser seu avô! – disse num tom calmo e arrastado e saiu.

Faltava pouco, era o que valia. A ressonância deu lugar à lucidez.
Agora nem foi preciso dizer quantas pessoas podiam entrar. Tossiu com mais insistência.

O Rossio estava (mais) próximo. Era o que valia.
Saí sem o cumprimentar. Lá fora, voltei a encontrar o frio cortante. Deu para despertar. Ainda demorou um bocado para os meus joelhos aquecerem e pararem de se queixar.
Havia pouca gente na rua.

Mais uma greve, mais um dia.

Até à próxima…

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